Críticas - Artistas Plásticos

| Artur Bual

    É inteiramente justo e urgente realçar a importância da obra de Moita Macedo - Artista de rara sensibilidade, que, nos anos 70 e 80 mergulhou dramaticamente no problema do Homem do seu tempo e nos desafios da plasticidade matérica, que tratou com grande profundidade em obras repassadas da Vida-Vivida e densos registos de espiritualidade!

    Artur Bual, Amadora 1996

    “O pintor-poeta foi das pessoas mais crianças que conheci. Como companheiro foi óptimo. Aprendi com ele a enfrentar a vida." "Foi um belo marginal da arte. E isto é um elogio, pois é nas margens que estão sempre as coisas belas”.

    Artur Bual, 1985

    Macedo, Ou a luta com um estado de frio num espaço que humaniza. No cair, a matéria vem já carregada de sensualidade, De raiva e de amor; a cor é seio, o traço é beijo, e o objecto é o signo primeiro de um monde onde, mais do que ter braços é preciso abraçar.

    Artur Bual, Amadora 1973

| Francisco Simões

    AO MOITA MACEDO, AMIGO SEM RETICÊNCIAS

    "Conheci o Moita Macedo há vinte anos e logo descobri estar na presença de uma personalidade extremamente peculiar. De imediato senti que uma amizade fraterna se instalou no nosso relacionamento. Aquela homem grande, gordo, cuja presença tinha algo que me fazia lembrar um buda, brincalhão e gracioso, possuía um coração de criança, pela sua pureza e bondade. Um coração tão forte e rico de sentimentos e limitadamente tão frágil, que um dia não aguentou o peso de todo aquele amor, de toda aquela amizade, de todo aquele entusiasmo, e parou para repousar eternamente. Foi normal, não pode haver nenhum coração que resista a tanta intensidade. Um dia, em Maio de 1981 – só podia ser Maio – mês de Catarina, de trabalhadores e revolucionários – o Moita escreveu para o catálogo de uma exposição minha: “O mais que as pessoas fazem é falar. Falam e contam-se demais. Mas rica é a língua portuguesa no duplo sentido das palavras como expor-se (arriscar-se) ou se expor (exibir-se). Muitos se expõem mas poucos se arriscam, até na liberdade de escolher e ser amigo de alguém, sem reticências.” Muitíssimo mais do que eu o Moita Macedo mostrou essa liberdade de escolher e afirmar ser amigo sem reticências. Aliás, tudo no Moita era sem reticências. A sua liberdade era a poesia – um grande poeta o Moita Macedo – sabiam? Não escreveu livros de poemas, nem os poemas magníficos que de improviso nos ia dedicando. Nem sequer permitiu que os gravássemos. A sua liberdade era a pintura – um grande pintor, que se dizia empregado de escritório na Siderurgia Nacional e sindicalizado. O seu atelier era em toda a parte, no escritório da Siderurgia, nas tascas onde comia com os amigos, nas tertúlias, em casa, no quarto, na sala ou na cozinha – a sua pintura era um impulso igual aos batimentos do seu coração frágil e magnífico. Foi na sua cozinha, um dia, que peguei num bom bocado de barro e esculpi o seu retrato. O Moita não resistiu e, a meio da sessão, a cozinha – atelier improvisado, estava repleta de todos os seus amigos vizinhos a verem o “espectáculo”. O “espoectáculo” não era obviamente o escultor ou a escultura, era ele, o modelo, as suas palavras, o seu entusiasmo, os seus poemas duitos a propósito de tudo ou até de nada. E os seus vizinhos – os escritores, o merceeiro, a porteira e o marido, o gasolineiro que fechou a bomba para vir ver, os sindicalistas que abandonaram o sindicato para verem que a arte era do povo, ali obviamente viram que o povo era ele, o Moita Macedo. Esta era, também uma forma da sua liberdade – a liberdade da amizade e do gozo. A liberdade da maravilhosa anarquia do Moita. Exactamente porque tudo era sem reticências. Hoje podemos ver algumas peças da pintura do Moita Macedo, onde se expõe e arrisca. Constatamos que não existem influências nem correntes, nem regras, nem preconceitos. Só pintura, que o é sem reticências. Pintura/liberdade, pintura/amizade, Pintura/anarquia e esta pintura é, podem crer, o meu muito querido e saudoso Moita Macedo."

    O teu Amigo

    Francisco Simões, 1996

| João Cutileiro

    MOITA MACEDO

    Não conheci Moita Macedo

    Pessoalmente

    Só tarde

    Só muito tarde

    Comecei a conhecer as suas obras

    Ele também começou tarde

    A sua vida teve algo de filme contemporâneo

    Duma tragédia Grega Clássica

    Pintou muito

    Desenhou muito

    Escreveu muito

    Experimentou muito

    Desesperadamente

    Com uma fúria violenta

    Aleatória

    Vulcânica

    Nunca havemos de saber

    Se ele foi assim

    Por inconscientemente

    Saber

    Que ia morrer cedo

    Ou se morreu cedo

    Por ter pintado

    Por ter desenhado

    Por ter escrito

    Por ter vivido

    Assim.

    João Cutileiro, Évora, Abril 2008

| Mário Bismark

    MOITA MACEDO

    Não conheci o pintor Moita Macedo. Perca impossível de colmatar. Mas conheço parte) do seu trabalho como artista plástico, como pintor e como desenhador, que me tem sido revelado pouco a pouco pela Galeria Cordeiros.

    De vida breve, mas intensa na sua ação como artista multifacetado, que atua quer no campo das artes da palavra, quer no campo das artes plásticas (pintura, desenho, escultura, azulejo), é neste último que Moita Macedo constrói e desenvolve os valores assumidos pelas correntes modernistas: a explosão geradora dos gestos, o fascínio do jogo matérico e lúdico da alquimia do ofício, a revelação de um lirismo, por vezes subtil, por vezes expressionista. Não o conheci, mas o seu labor e o seu trabalho como pintor e como empreendedor consolidou o sentido experimental e libertário da pintura da qual a minha geração beneficiou.

    Moita Macedo: do gesto pictórico como catarse

    Quando folheio a obra pictórica e poética de Moita Macedo, a característica que se mais evidencia é a presença constante e obsessiva das marcas gestuais.

    É a constatação da afirmação da gestualidade nas suas várias vertentes: do gesto imediato, isto é, do gesto não mediatizado, não conformado e não formatado pela “cultura” (um gesto desmedido); do gesto-escrita, caligráfico, fluido e dançante; do gesto automático, não-pensado e não-previsto, registo dos impulsos inconscientes do corpo, nessa tentativa de “libertação” do formatado que a experiência da escrita surrealista nos deixou; do gesto que se pretende literalmente desprendido, isto é, sem amarras e sem prisões; do gesto que se quer marca autoral e registo temporal de um corpo que explode na coreografia do duelo com a matéria pictórica mas também com a cultura.

    Todos estes gestos ensaiam e encenam uma vontade de libertação da presença opressiva do real. É, no fundo, a utilização do gesto do autor como um sinal comportamental de reação expressiva ao peso civilizacional, numa tentativa de credibilidade do gesto como libertador e libertário.

    É o gesto pictórico como veículo para a catarse.

    Mário Bismark, pintor e professor da Faculdade de Belas-Artes do Porto

| Rafael Canogar

    MOITA MACEDO

    La obra de Moita Macedo Pintor y Poeta impacta y interesa, y nace el deseo de un acercamiento al personaje. Un hombre con prometido con su tiempo, donde ha dejado trazas de su vida y obra.

    Su obra pictórica - una lección de coherencia con su persona - es como un grito vital que quiere expresarse y comunicarse; una pintura en lucha consigo misma para encontrar las raíces de su propia naturaleza, la de la pintura y la de su entidad como hombre marcado por su entorno y sus sueños utópicos de un mundo libre y justo.

    Rafael Canogar, Pintor

| Rogério Ribeiro

    MOITA MACEDO OU O AMOR DA LIBERDADE

    Quem é este Pintor?

    Moita Macedo é um Pintor, um homem num desencontro encantado com a vida que teimosamente a cumpre invadindo vários campos num anseio de complementaridade, para “intervir”, para “dizer” e disse-o, de facto, de muitas maneiras o quão desacertado o mundo vai. É nesta vontade de acerto que este autor se encontra como que no centro dum caos que quer organizar, a que quer sobretudo dar um sentido.

    Diz Moita Macedo num dos seus textos que a sua pintura se poderia designar como memografia, isto é, uma grafia da memória, afirmação que se enquadra no “informalismo” como prática de pintura e que será a ponte mais continuada e expressiva do seu trabalho. Grafia com memória do passado acontecido mas que se mistura com o acto de realizar. Pintar num sentido duma expressividade quase automática, como que a deixar fluir vontades e desejos num jogo de formas e cores que a razão vai descobrindo e dando ordem. Há nas pinturas muitas vezes aproximações a figuração que se tortura na deformação que o desejo de lhes dar, acrescentar sentido, torna dramáticas ou poeticamente leves. O registo, a marca que deixa em qualquer dos casos, seja mais figurativo ou mais abstracto, digamos que ao longo da sua variada obra, há um sentido informal que exige o compromisso do espectador, dá e pede, exige a atenção, preenche o sentido do presente e um olhar retrospectivo. Memografia como termo síntese e aglutinador da sua proposta plástica é para além da vontade do autor, uma palavra feliz e esclarecedora.

    Moita Macedo nasce em Benfica do Ribatejo em 1930 e morre em Lisboa em 1983. Anos de vida, num enquadramento histórico, que são devastados por interesses profundamente divergentes, por lutas que se viveram como decisivas, como que transbordando os limites do homem, quer na c onstrução do ódio, quer em contrapartida um tempo exemplar de resistência e de generosidade. Esta profunda bipolarização marcará com violência as gerações envolvidas.

    Moita Macedo receberá na primeira juventude o exemplo e sobretudo o convívio do avô José, médico Republicano e deputado à Assembleia Constituinte. Nestes recuados anos um médico na província envolvido politicamente na República, era certamente um exemplo de implicação social e profissional na construção dum outro futuro. Grandes e generosos corações teve a Primeira República.

    Fosse qual fosse o grau dessa certamente benéfica influência, o facto é que a vida de Moita Macedo, será um acto contínuo de coragem, fortemente vivido, incansável e inquieto na procura de “encontros”, talvez da explicação da vida a acontecer-lhe. Casa ao atingir a maioridade (aos 21 anos) e terá cinco filhos. Parte em serviço militar para a Índia portuguesa (de 1954 a 1957). Estes anos longe do seu meio, noutra cultura, implicam-lhe a sua descoberta e trabalha com materiais locais. Houve, pelo trabalho conhecido, uma curiosidade e inquietação que lhe marcava o desejo do conhecimento que desde logo acentuam o desejo de intervir e de experimentação que definem uma forma de estar activa e participante sejam quais forem as consequências. Um segundo passo, a Siderurgia Nacional, que irá preencher em termos de emprego o resto do seu tempo.

    Na continuidade da estadia na Índia, em Portugal actua como pintor, escultor, animador cultural, poeta, como homem companheiro e empenhado. Aprofunda a sua actividade artística, pratica a gravura, envolve-se no meio artístico, conhece entre muitos Almada e Bual (1965) de quem será amigo, escreve textos para catálogos, participa na direcção de galerias e continuadamente activo na sua pintura e na sua poesia.

    Que é um Pintor?

    Sem romantismo, sem o sentimento de génio incompreendido, é no caso de Moita Macedo, a partir da Siderugia Nacional, que este pintor desenvolve no tempo que inventa e na força interior que o protege, a obra que na quietude e no desespero vai construindo por pura necessidade de sobrevivência intelectual.

    As diversas “formas” que a Arte assume ao longo do tempo implicam-se em razões que têm as suas raízes no pensamento, na filosofia, nos contextos sociais, nas transformações tecnológicas, na liberdade de afirmar outros futuros, outros entendimentos da realidade, na busca poética de motivações que transcendam os marcos de partida. Todos os momentos são de chegada e de partida.

    O “informalismo “, onde se implica a obra de Moita Macedo, surge pelos anos 50 e são, segundo Argan, “poéticas de incomunicabilidade”. Considerada ultrapassada a discussão sobre a forma e o conteúdo, que se vinha impondo desde há duas décadas, há uma procura no sentido duma liberdade e duma afirmação do artista cujo gesto, o depositar a carga que o castiga, realiza a obra que depende apenas da sua actuação e não dum conhecimento prévio e preparado. A obra existe porque ali realizada e constitui expressão da vontade e da vitalidade e da convicção do autor perante os materiais que manipula. A obra explica-se em si e por si própria.

    Na obra de Moita Macedo, nos primeiros anos, há uma aproximação da realidade imediata e de registo que os integra numa aparência que deseja ser de interpretação. Afirmar uma maneira de ver. A figuração com o tempo dilui-se até atingir, em muitos casos, a nitidez do gesto assumido, noutras, uma procura de sobreposições com matéria densa que, através de vários ritmos de “ataque”, resultam depósitos de energia que se deixam ler nas diversas camadas que as insuficiências sentidas revelam, até ao nó final que numa unidade formal e cromática conseguida consideram completa a obra. É natural que as obras não tenham título, porque o autor não está a registar um assunto, uma descrição, mas antes a expressão do seu temperamento e experiência acumuladas. Cada obra deseja, por uma linguagem inventada e não relacionável de “incomunicabilidade”, despertar energias na energia que oferece, no gesto que se mantém aparente e na cor que a serve. A ausência duma geometria e a total liberdade assumida sem preconceitos, são a pureza e a procura da beleza através da vontade profunda, sentida e meditada do autor. É como um alfabeto que não constrói palavras porque sempre incompleto, inquieto e renovador na sua estrutura básica.

    “Nem minto para que as coisas sejam belas...” A beleza assim é transparência, sinceridade e, naturalmente, neste jogo assim jogado é necessário, sem escapadelas, que o autor se entregue para que a comunicabilidade se estabeleça e a obra entre no circuito do uso, do testemunho, da parte que lhe cabe no entendimento dos homens. O tempo vem ajustando e reconhecendo a obra de Moita Macedo e a possibilidade agora duma percepção do conjunto, dá-lhe a unidade que reflecte o autor que através de tão diferentes cenários de vida teve a singular coerência duma unidade de pensamento afirmado com uma vontade determinada.

    Rogério Ribeiro, Professor da Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa

| Sobral Centeno

    IRREVERÊNCIA E PAIXÃO

    Na obra de Moita Macedo estamos perante um fenómeno cultural, amplamente “generalizado”, dos efeitos ou conteúdos estéticos que questionam o conceito de totalidade. Estamos perante uma relação arte e artista/estética que estabelece a inter-ligação/ação de procedimentos plásticos expressionistas, surrealistas, realistas ou abstracionistas. Moita Macedo reflete uma forma de estar na sociedade, traduz uma época em que manteve presença constante, ativa e efetiva na exploração das suas práticas ou atividades culturais e políticas.

    Nos seus trabalhos, constrói formas que podem ser paisagens, ou corpos, planos ou espaços, num processo que nos conduz do gesto ao movimento, onde sobrepõe cor e matéria translúcida ou transparente como uma forma, por vezes, de escrita plástica, por vezes, sensual e irreverente. Obras que apelam a causas que forçam a existência de uma relação entre o mundo real e abstrato.

    Dominando técnicas de expressão que vão do desenho à palavra escrita, Moita Macedo, favorece a abstração com grande liberdade. O seu processo criativo está cheio de irreverência e paixão, residindo aqui o maior interesse da sua obra no campo das artes plásticas.

    O desenho, a escultura, a pintura e a poesia constituem uma forma de atuação num palco cinzento de expressão plástica ou cultural.

    Por outro lado, Moita Macedo, beneficiando de um carisma próprio, usou muitas vezes a palavra como repúdio num estado carente e abandonado na época. E fê-lo com participação ativa antes e pós 25 de abril.

    A sua obra, num universo plural, está definida numa síntese de formas múltiplas que marcam o seu estilo, acentuado num tempo sem grandes referências artísticas – isto visto numa perspetiva de um mundo global. Neste contexto, Moita Macedo acabou por ser um precursor no seu tempo.

    Sobral Centeno Artista Plástico e Professor na Faculdade de Belas Artes do Porto

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