Cartas de Amor
CARTAS DE AMOR
Não é um livro de poemas
Que ides ler.
É uma carta de amor…
- Eu tinha de a escrever.
O POEMA É EM TI
o poema estava em ti
eu só colhi palavras…
entre as mãos a tua mão
e a branda respiração
do teu arfar…
de resto todo o poema é vulgar…
só o olhar não!
quando há respiração na acção
da mão prender uma outra mão
sem a explicação vulgar…
só a razão diz não!
a mim… o poema diz sim!
ONTEM
Ontem
quando as portas estavam fechadas
as luzes das casas apagadas
passei à tua porta
A noite estava triste e estava bela
e eu
poisei os dedos nas tábuas da janela
daquela, onde costumas acenar…
RETRATO DE MULHER
A curva de uma onda
A gota do veneno
O suspiro da aragem
O frescor do sereno
O mármore da estátua
A quentura da lã
A brandura da seda
O encanto da maçã
O olhar da pitonisa
O cabelo do pagem
No fundo uma mulher
No todo a tua imagem
POEMA DE UMA NOITE
A noite era fruto
De amoras silvestres
E fonte e reduto
Teu corpo sem vestes
Era marca e gesto
Dos meus dedos quentes
Perdidos na noite
Cerrámos os dentes
Nua como a pedra
À beira da estrada
A faca polida
A carta rasgada
A noite era grito
E era gemido
Meu pão meu conduto
Teu corpo despido
SE TU QUISERES
Se tu quiseres
(mas quiseres mesmo)
irei colher
flores a esmo
Farei saltar
Grades e portas
E Abril janelas
Nas horas mortas
Criarei pontes
Estradas e casas
Pois mais que braços
Teremos asas.
MAR AMOR
MAR AMOR
tudo o que amo
é mar
até o ar
porque é azul
é mar
até a terra
em chuvas e luar
já não é terra
é mar
é mar
essa promessa feita de Sagres
de ir mais além
em cada qual
há um henrique-marinheiro
quem foi o primeiro
que vestindo de vermelho
espada rasgando a terra
abriu o caminho ao mar?
quem fez e quem pensou
quem mais amou o mar
o mar de paz e guerra?
foi o primeiro
que viu o mar
e ficou em terra.
NO MEU PAÍS O POEMA DIZ MAR
no meu país o poema diz mar
no meu país há gente a chorar
há pobres mendigos
esquinas como breu
rezamos aos santos
não cremos no céu
no meu país o mar
é feito de chorar.