Críticas - Outras Personalidades

| António Ramalho Eanes

    MOITA MACEDO

    Confesso que conhecia mal Moita Macedo. Conhecia-o e apreciava-o, apenas, como pintor.

    A exposição-homenagem, com que pretenderam trazer ao nosso presente a memória da sua acção, surpreendeu-me, é certo, mas apelou-me, sobretudo, a conhecê-lo melhor, a tentar perceber a sua personalidade e obra.

    E, ao responder a esse apelo, descobri o Homem, que a sua própria acção esculpiu, a sua grande motivação socio-artística, a sua leitura do homem (ser de "sonho e pesadelo"), o seu sorriso de amor pelo homem-sonho, o seu repúdio e combate contra o homem-pesadelo. Descobri, então e só então, Moita Macedo: o cosmopolita que noutras culturas, que não só a nossa, sorveu o mel da singularidade que deslumbra e aproxima, e bebeu o fel da violência que atormenta e que apela a empenhada luta.

    Assim, Homem de causas, Moita Macedo foi ser de valores humanísticos, valores que tantas vezes "abrem caminhos" de sorriso e amor e que, não raras vezes também, exigem um grito «Munchiano» de revolta, que prolongar se deve, já então, na acção redentora que a boa revolta pressupõe e exige.

    É assim, é por ser assim, que Moita Macedo, embevecido, poetiza e, embevecidamente, nos poetiza, com especial inspiração e beleza, em "poemas simples, formosos, musicais" (como diz Urbano Tavares Rodrigues), de amor simples, directo; enfim, um Eros transbordante, que nos leva à amicícia, que nos arrasta à caridade (ao amor que, na acepção Unamuniana, todos os amores contém e sublima, a todos, por igual, se estende, contempla e preocupa, sejam eles homens ou deuses, seres vivos racionais ou irracionais). Poeta de causas, aceita, quixotescamente quase, no dizer de Urbano Tavares Rodrigues, «bramir» a espada poética contra os poderosos ímpios e seus moinhos de vento, que já não moem o trigo loiro que faz branca e popular farinha, mas que moer pretendem o próprio homem, que, numa perversa alienação, o desejam dominar para usar como coisa para satisfazer os seus interesses, nos antípodas, já, do salutar bem-comum.

    Ler Moita Macedo é como que embarcar na sua poesia e sentir, como ele, o amor ou a revolta, ou, talvez, o amor da revolta e a revolta do amor. Revolta que apela à nossa militância virtuosa. É como que navegar, com ele, no mesmo mar, no das ondas serenas de formosura e amor, que lânguida e sorridentemente se espraiam nas areias que nos suportam com amorosa e quentura cumplicidade, ou no das vagas de contraditória revolta que, a um tempo só, parecem pretender destruir criações de aberrante alienação, despertar os homens para a dignidade do homem, abrir-lhe os olhos, o coração e a mente e, assim, solidariamente, de todos, com todos, verdadeiramente em conjunto e em igualdade (diferenciada conforme querem a natureza e uma humanização progressiva), enfim, criar espaço, novos espaços à realização do amor no nosso tempo, assim fazendo dos homens «catedrais» de uma nova Jerusalém.

    Mas se Moita Macedo foi grande na poesia, grande foi, também, na pintura (dele diz Urbano Tavares Rodrigues: "Pintor de talento, na orla do expressionismo abstracto e do gestualismo") e na escultura. A sua especial capacidade criativa se estendeu, ainda, à gravura e à cerâmica.

    Revisitar Moita Macedo, não nostalgicamente, foi, para mim, sobretudo, colher uma lição de vida, de empenhada acção de talento. Foi, afinal, apreciar seguramente a árvore de qualidade e de talento, que foi Moita Macedo, mas, sobretudo, ver, no tempo, a sua "vontade boa" (na acepção Kantiana), as suas raízes e, também, os frutos que produziu e, generosamente, nos legou.

    António Ramalho Eanes

| Cláudio Torres

    A ARTE MISTERIOSA DE ESCONDER O MUNDO

    Pode parecer um repente colérico ou mesmo até um grito de emoção. A mão perdida num gesto uniforme abre por vezes um novo caminho, sugere uma outra ordem compositiva e mesmo, quantas vezes, um percurso inovador de inusitada criatividade. O repentismo ou gestualismo da escola americana ou a contida monumentalidade a preto e branco das vigorosas pinceladas de Hartung perpassam e densificam toda a obra de Moita Macedo sem no entanto a espartilharem num discurso unívoco e muito menos mimético. Esta é a sua linguagem, a maneira de ordenar os morfemas desgarrados de uma composição, a forma de cingir aos limites definitivos do enquadramento o vigor incontido e inadiável de uma ideia. Esta ideia subterrânea, nunca aprisionada na expressão fugaz de um aparente abstraccionismo, brota, alucinante e irreprimível, na sugestão nocturna de um corpo feminino, nos panejamentos do velame ou ossatura de uma barca moribunda, na respiração dolorosa de um deus esquecido, na crina desgrenhada de um qualquer digno rocinante, ou no frio horizonte de um entardecer apenas sonhado onde uma réstea sanguínea anuncia talvez o parto de um novo dia.

    Cláudio Torres
    Professor de História da Arte

| D. Manuel Clemente

    A VIDA EM FORMA DE CRUZ

    Louvo e agradeço a exposição dos «Cristos» de Moita Macedo na sé de Lisboa. A adequação é perfeita, da insistência temática do artista ao significado e à forma do templo a que se junta. Assim acontece agora, muito felizmente, em cultura plena e coesa.

    A insistência temática do artista, entre outros temas que também versou, brotou-lhe da existência que teve, das pessoas e lugares que nela se imprimiram e dos sonhos que aí mesmo despertaram.

    Foi esta ligação de terra sempre firme com um céu apesar de tudo nunca ausente que lhe resumiu o traço em duas direções entrecruzadas. Traço que pôde ficar assim, tão central e duradouro, por assinalar absolutamente Alguém. Moita Macedo reco-nheceu-lhe o rosto e o nome numa simplicidade tal que nela cabem todos os rostos e todos os nomes, de ontem para hoje e amanhã.

    A forma da sé de Lisboa, como de tantos templos seus coevos, do pórtico à cabeceira e abrindo os braços em transepto, inclui quem entrar num corpo igualmente crucificado, como memória viva e motivo de esperança. Expostos no âmbito da sé, os Crucificados de Moita Macedo encontram o seu espaço adequado, de fundo e forma, de culto e cultura.

    Também por isto louvo e agradeço a iniciativa. A humanidade soma-se sempre, na acumulação do que experimenta e a move. Por isso a expressão se altera, tão complexas e variadas são as coisas em sucessão. Já se notou que os patamares civilizacionais são culturalmente «clássicos», pois encontram formas claras e transmissíveis de geral aceitação, enquanto duram. Mas a própria base que oferecem para nos reconhecermos num tempo provoca a inquietação do que ainda não somos para depois. Sucedem-se lanços mais «barrocos», em que o movimento se agita e nem a simetria o consegue deter. Assim estaremos hoje.

    Entre o muito que hoje nos diverge, a memória da Cruz converge sempre e tanto nos une ao drama de cada um como nos reanima pela vida que acalenta. Cada Cristo em exposição propõe um centro disponível. Assim o redescobriu Moita Macedo. Assim o oferece nesta mostra tão bem-vinda.

    D. Manuel Clemente
    Cardeal Patriarca de Lisboa

| Fernando de Sousa

    MOITA MACEDO

    Diz Moita Macedo, num dos seus textos, que a sua pintura se poderia designar como ‘memografia’, isto é, uma grafia da memória, afirmação que se enquadra no ‘informalismo’ como prática de pintura e que será a ponte mais continuada e expressiva do seu trabalho. Grafia com memória do passado acontecido mas que se mistura com o acto de realizar. Pintar num sentido duma expressividade quase automática, como que a deixar fluir vontades e desejos num jogo de formas e cores que a razão vai descobrindo e dando ordem.

    Na obra de Moita Macedo, nos primeiros anos, há uma aproximação da realidade imediata e de registo que os integra numa aparência que deseja ser de interpretação.

    Afirmar uma maneira de ver. A figuração com o tempo dilui-se até atingir, em muitos casos, a nitidez do gesto assumido, noutros, uma procura de sobreposições com matéria densa que, através de vários ritmos de ‘ataque’, resultam depósitos de energia que se deixam ler nas diversas camadas que as insuficiências sentidas revelam, até ao nó final que numa unidade formal e cromática conseguida consideram completa a obra. É natural que algumas das suas obras não tenham título, porque o autor não está a registar um assunto, uma descrição, mas antes a expressão do seu temperamento e experiência acumuladas.

    Cada obra deseja, por uma linguagem inventada e não relacionável de ‘incomunicabilidade’, despertar energias na energia que oferece, no gesto que se mantém aparente e na cor que a serve. A ausência duma geometria e a total liberdade assumida sem preconceitos são a pureza e a procura da beleza através da vontade profunda, sentida e meditada do autor. É como um alfabeto que não constrói palavras porque sempre incompleto, inquieto e renovador na sua estrutura básica.

    “Nem minto para que as coisas sejam belas...” A beleza assim é transparência, sinceridade e, naturalmente, neste jogo assim jogado é necessário, sem escapadelas, que o autor se entregue para que a comunicabilidade se estabeleça e a obra entre no circuito do uso, do testemunho, da parte que lhe cabe no entendimento dos homens.

    Fernando de Sousa
    Professor Catedrático da Universidade do Porto

| Jorge Barreto Xavier

    DOS BRAÇOS DA NUA TERRA:

    Na nossa contemporânea idade, o confronto quotidiano com o sentido da presença humana revela-se na intoxicante impossibilidade de saber verdadeiramente quem somos. Quem somos pessoalmente e quem somos coletivamente.

    O sentido do eu hiperbolizou-se e ao mesmo tempo diluíu-se, e as pertenças societais tornaram-se acumulação identitária, de modo que o compósito que cada um de nós representa junto de si próprio e dos outros se encontra velado, escondido, e talvez ao mesmo tempo disperso, difícil de reunir sob a fórmula de uma resposta à pergunta – e tu, quem és?

    Esta questão é essencial na determinação das circunstâncias políticas, económicas, culturais, religiosas deste momento da história humana. Ela é sobremaneira a pergunta a colocar aos chamados “europeus”, que no processo crítico sobre o seu próprio estatuto e sobre os valores em abstrato da liberdade e da igualdade reivindicaram a soberania do eu sobre a do Estado e a da liberdade de expressão sobre a coesão social.

    Pagamos hoje, com alegria mas também com dor o preço deste caminho. Ele tem uma componente relevante nas considerações sobre o modo como a estética se coloca no nosso entorno.

    No seu primeiro livro, de 1970, Giorgio Agamben promove uma reflexão sobre “a época estética da obra de arte”. O que se analisa é este tempo onde a obra de arte é colocada do lado do espetador, ou seja, visitada a partir do ponto de vista do espetador. Todavia, essa visita decorre no contexto discursivo do historiador de arte, do crítico, do conservador de museu, do curador – o espetador é uma instância moderada, orientada, condicionada pelo sistema estético, pelos códigos que determinam os modos de apropriação do ponto de vista do espetador.

    De alguma forma, o artista está a mais nesta equação, pois acima de tudo valerá a interpretação, a crítica, a apropriação possível do artista. De algum modo, a obra de arte está fora desta equação, o que existe é a sua reificação pelos exercícios taxinómicos e topológicos de instâncias autoritativas externas ao criador da obra de arte.

    Não sendo oportuno fazer aqui a genealogia do estatuto do artista na história ocidental, será certo dizer que o seu destaque e celebração enquanto instância de iniciativa já foi superior, assim como o seu reconhecimento enquanto lugar de poder.

    No “sistema artístico”, no “sistema estético”, a deslocação de poder para as mãos de agentes interpretativos e críticos, assim como para os dispositivos mercantis e comunicacionais transtorna a própria capacidade do artista se referenciar, pois essa referenciação depende muito da disposição de terceiros.

    Refiro esta matéria para dizer que Moita Macedo deve ser defendido a partir do ponto de vista do artista. Ou seja, que em vez de olharmos para o que se diz sobre Moita Macedo, se deve olhar para o que diz Moita Macedo. E o que diz Moita Macedo de si próprio?

    Antes da vida fui morte
    Depois da morte fui vida
    Cartão a marcar encontro
    Sempre em ponto de partida
    Recusa assente ao voltar
    A estrada já percorrida
    Igual na forma de estar
    Lança igual à despedida
    Pintei versos
    Escrevi quadros
    Movido pela ilusão
    De ser pertença da terra
    Ventre, presente e razão
    De ser morte e de ser vida
    No meu silêncio agitado
    Do momento de ser hoje
    Sem futuro e sem passado

    Ele, que foi poeta, escultor, gravador, pintor, ilustrador, desenhador, ativista em defesa da liberdade de expressão num tempo em que esta era amordaçada; ele que foi artista em espaço de operários e talvez operário em espaço de artistas, ele diz-nos que o ponto de pressão que nos identifica como ser é hoje, não ontem, não amanhã. E que o momento irrenunciável do presente é impronunciável; e que escreve quando pinta e que pinta quando escreve. Pois quem assim se define bem diz que não se distingue em partes, mas que se distingue enquanto manifestação una. Afirma que em tudo o que faz, aí está. Que em tudo o que faz existe uma telúrica afirmação de pertença e de poder de criação (pertença da terra/ventre). E esta correlação entre o que somos e o que podemos só tem um momento de manifestação – agora.

    Moita Macedo deixou que pelas suas mãos se expressasse o mundo, o seu mundo mas todo aquele do barro que nos molda em que nem sempre conseguimos enunciar apesar de nos enformar. Assim, direi que a sua obra é toda e não partes. Que os temas principais do seu trabalho plástico são elementos de um código, de uma linguagem, de um alfabeto, de um texto, de um discurso, que também se apresenta nos seus poemas, nas suas gravuras, nos seus barros ou marfins.

    Assim, cada momento do seu percurso de artista é também um momento do seu percurso como homem e viceversa. E se cada objeto criado constitui parte do seu trabalho e pode ser lido autonomamente, numa referência a um dado momento, lugar, material ou técnica, o seu verdadeiro destino é ser lido nesse discurso maior - o seu caminho, a sua manifestação de vida, o seu manifesto em relação à vida.

    Parte de um tempo, de uma família e de um grupo amigos e de artistas, Moita Macedo não exerceu um trabalho adjetivo para se promover como artista mas um trabalho substantivo de criação artística, menos preocupado com a sua celebração, mais preocupado com o sentido de todas as coisas, com o seu sentido como pessoa.

    Independentemente do destino que as enciclopédias contemporâneas (analógicas ou digitais) lhe derem (bem poderíamos fazer através delas, ao lado da história da relevância, a história da irrelevância!), sabemos que ao olhar enquanto espetadores os seus trabalhos, eles nos olha nos olhos em cada um e em todos, e mais do que respostas, certamente nos coloca a pergunta – e tu, quem és?

    Jorge Barreto Xavier
    Secretário de Estado da Cultura do XIX Governo Constitucional

| José António Pinto Ribeiro

    PINTOR - POETA:

    Notas para o reconhecimento do processo criativo de um Grande Artista

    Na ArtMadrid2009, em Março, tive oportunidade de voltar a ver a pintura de Moita Macedo, um artista pouco divulgado, mas cuja obra pode ser inscrita, com mérito, na galeria da pintura contemporânea portuguesa. Um artista que deu os primeiros passos pela mão de Almada Negreiros e cujo desaparecimento prematuro deixou para a posteridade o reconhecimento do seu valor e a divulgação da sua obra, que começa agora a merecer atenção e a ocupar um reconhecido lugar na arte contemporânea portuguesa. Artur Bual e Urbano Tavares Rodrigues foram companheiros do diversificado percurso artístico que percorreu , desde a poesia à pintura, passando também pela escultura. Um percurso, com vários caminhos, mas sempre com profundidade e intensidade. Faço votos para que a divulgação dos seus trabalhos revele ao grande público o seu talento e o vanguardismo e a riqueza da sua obra. Espero ainda que Moita Macedo passe a integrar o grupo de precursores que fizeram um geração de artistas que marcou uma época.

    José António Pinto Ribeiro
    Ministro da Cultura

| Maria Barroso Soares

    MOITA MACEDO

    Ver e ler a obra impressionante de Moita Macedo é um regalo para os olhos e um encantamento para a alma.

    Alguém disse dela: “essa obra pertence a um artista cuja personalidade foi de grande abertura e capacidade de simpatia, alguém que celebrava a vida nas mínimas coisas que fazia”. E eu penso que tem razão essa lúcida e inteligente visão do Poeta-Pintor que tão cedo nos privou da sua presença e, portanto, do gozo imenso da sua arte.

    Efectivamente, em quase todos os seus poemas e quadros há uma celebração da vida e neles perpassa um sopro de esperança, um vento que nos arrasta para o futuro, apagando o que de mau sofremos e abrindo-nos um horizonte largo.

    Esse sentido forte de esperança propaga-se-nos intensamente quando saboreamos a sua poesia ou nos deliciamos com o escudo e a lança quixotescos, em representação do herói com que se identifica, “alma romântica que almeja que o sonho se sobreponha à realidade”. Mas essa alma romântica não apaga a imagem do cidadão atento aos problemas que afligiam o país e que sempre quis ajudar a resolver. Aliás, percebe-se isso ao ler os lindos versos do “Desejo ao Poema”:

    Queria
    Que os meus poemas fossem gritos
    Capazes de romperem alvoradas
    Que não fossem só letras
    Que só escritos
    Mas tivessem a marca das enxadas
    Queria
    Que os meus poemas fossem pão
    Não palavras de sonho e ansiedade
    Mas que tivessem o condão
    De alimentar a alma da cidade.

    É, portanto, o poeta-pintor e o cidadão que se nos apresentam através da sua notável obra e que se confundem nela. E sempre nelas ressalta o seu amor à vida e o seu apego à esperança que lhe dá sentido ao que faz e que nos propaga tão belamente.

    O sentido da esperança é, pois, o que se radica em nós ao vermos e lermos a sua obra que pode servir de inspiração aos que na grande Instituição que é a Cruz Vermelha trabalham por um mundo melhor, mais pacífico, mais solidário e mais embebido de amor e de esperança.

    Maria de Jesus Barroso Soares

| Mário Avelar

    IRREVERÊNCIA E PAIXÃO

    Na obra de Moita Macedo estamos perante um fenómeno cultural, amplamente “generalizado”, dos efeitos ou conteúdos estéticos que questionam o conceito de totalidade. Estamos perante uma relação arte e artista/estética que estabelece a inter-ligação/ação de procedimentos plásticos expressionistas, surrealistas, realistas ou abstracionistas. Moita Macedo reflete uma forma de estar na sociedade, traduz uma época em que manteve presença constante, ativa e efetiva na exploração das suas práticas ou atividades culturais e políticas.

    Nos seus trabalhos, constrói formas que podem ser paisagens, ou corpos, planos ou espaços, num processo que nos conduz do gesto ao movimento, onde sobrepõe cor e matéria translúcida ou transparente como uma forma, por vezes, de escrita plástica, por vezes, sensual e irreverente. Obras que apelam a causas que forçam a existência de uma relação entre o mundo real e abstrato.

    Dominando técnicas de expressão que vão do desenho à palavra escrita, Moita Macedo, favorece a abstração com grande liberdade. O seu processo criativo está cheio de irreverência e paixão, residindo aqui o maior interesse da sua obra no campo das artes plásticas.

    O desenho, a escultura, a pintura e a poesia constituem uma forma de atuação num palco cinzento de expressão plástica ou cultural.

    Por outro lado, Moita Macedo, beneficiando de um carisma próprio, usou muitas vezes a palavra como repúdio num estado carente e abandonado na época. E fê-lo com participação ativa antes e pós 25 de abril.

    A sua obra, num universo plural, está definida numa síntese de formas múltiplas que marcam o seu estilo, acentuado num tempo sem grandes referências artísticas – isto visto numa perspetiva de um mundo global. Neste contexto, Moita Macedo acabou por ser um precursor no seu tempo.

    Sobral Centeno Artista Plástico e Professor na Faculdade de Belas Artes do Porto

| Vítor Melícias

    OS CRISTOS DE MOITA MACEDO - UM CONVITE À LIBERTAÇÃO

    Se para valorizar diferentes dimensões da mesma englobante e universal realidade de Cristo é de boa sabedoria falar-se do Cristo da História e do Cristo da Fé, é igualmente sábio considerar-se o Cristo da Arte, enquanto expressão dos sentimentos, entendimento e mensagem dos artistas.

    Mestre maior na arte de transmitir pelo informalismo gestual como expressão artística, Moita Macedo não retrata nem desenha Cristos já feitos.

    Com toda a força criadora da arte que lhe estava na alma, e da fé que lhe palpitava latente nas ânsias de liberdade e de justiça, o pintor-poeta dá-nos, em vigorosas pinceladas de cor e sugestão, um Cristo--homem-divino, que vem, não lá do etéreo abstrato, mas dentro do mundo real onde, fazendo-se carne, se fez História e se fez Fé.

    Em Macedo, duas pinceladas um Cristo e em cada Cristo uma mensagem. Os seus Cristos brotam de dentro da vida, da lama das coisas e, em explosões cromáticas de luz e de cor, gritam mensagens que não são cópia de nada, nada pretendem reproduzir nem citar. A iconografia que emerge do seu pincel de poeta, mais sugestiva que descritiva, menos figurativa e mais propositiva, não exibe imagens, não reproduz figuras, nem impões uma imagem predefinida de Cristo, propõe Cristo como ideia a ser configurada por cada qual. Por isso, os seus Cristos não estão na tela, emergem do próprio traço que os insinua.

    Poeta e místico da liberdade e da libertação, contestatário de todos os cativeiros e grilhões, o pintor Moita Macedo imprime sempre aos seus Cristos, com os quais vai gritando incontidas ânsias de liberdade, um ictus de crisálida em esforço de se libertar do casulo para os espaços amplos do infinito.

    Um Cristo de Moita Macedo é sempre um convite ao esforço, à luta pela libertação, é um libertado libertador.

    Não pintando um Cristo menino, ao colo de sua mãe, nem um Cristo pantocrator, senhor do universo em glória e coroa imperial, Macedo insinua coroas de espinhos e oferece-nos Cristos em cruz ou, mais precisamente, Cristos em pose de cruz, mas já sem ela, porque os braços ficaram cruz e os lábios ficaram reza, como ele mesmo proclama no seu belo Poema IX.

    Seguramente por isso, este crucificado nunca esta morto, nunca é estático, tem sempre movimento e vida. Ao morrer já está em transe de ressurreição, é um ressuscitado «in fieri», um alguém que morrendo não morre, passa pela morte.

    Os Cristos de Moita Macedo não são Cristos da tarde de sexta-feira santa, mas são já o Cristo da manha de sábado de aleluia, prenúncio e princípio da aurora libertadora do domingo da Ressurreição. Daí a cor, daí o movimento, daí o dinamismo.

    Enquanto na Mensagem de Pessoa, ou na de Camões, há interpelação ao descobrimento, à aventura, à esperança de um povo em busca de antigas glórias que traz no sangue e no vinho, a mensagem dos Cristos de Moita Macedo é a libertação de um homem, de cada homem no todo da Humanidade.

    É que este Cristo, sendo embora divino, pintado com as cores do cosmos e a aura inefável do divino, apresenta-se e insinua-se, sobretudo como homem, o Homem em esforço não resignado da libertação Como Francisco de Assis, também ele poeta e grande humanizador de Deus em Cristo-homem, Macedo transmite o lado humano da divindade, ree-vocando o esforço hercúleo com que na mitologia grega o homem tenta, e volta a tentar sempre em vão, subir ao Olimpo dos deuses.

    Como a de Francisco, a sua cristologia é uma teologia da terra e do homem, ou seja, a teologia de um Deus que está no homem, um Deus presente na humanidade sofredora em sinfonia cósmica de libertação.

    Porventura, o Deus em que Moita Macedo acreditava muito à sua maneira, encontrava em Cristo a melhor incarnação do homem, eterno peregrino em ansias de divindade.

    Bem-haja ele por isso.

    Por isso também lhe é devida honra, glória e louvor.

    PE. Vítor Melícias
    Ordem dos Frades Menores

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Autor: Miguel Barbosa

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Moita Macedo - Obra Plástica